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BARRO ORDENA USO DE CÂMERAS PELA PM DE SÃO PAULO: UM PERIGO A AUTONOMIA POLICIAL OU UMA NECESSIDADE CONTRA A VIOLÊNCIA?

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Imagem publica da internet

Nos últimos dias, o Supremo Tribunal Federal (STF), sob a liderança do ministro Luís Roberto Barroso, determinou que a Polícia Militar do Estado de São Paulo passe a utilizar câmeras corporais em suas operações. A medida foi proposta como uma forma de prevenir abusos de autoridade e garantir maior transparência nas ações policiais, especialmente em tempos em que a violência policial tem gerado intensos debates e críticas. Mas até que ponto essa decisão não pode ser vista como uma ingerência indevida nos poderes estaduais e no funcionamento das forças de segurança? Afinal, essa ordem não interfere na autonomia da PM e não poderia ser considerada um precedente perigoso para a autonomia de outras instituições públicas?

A Medida de Barroso: Interferência ou Necessidade de Transparência?

A ordem do ministro Barroso surge em meio a uma série de episódios de violência policial no Brasil, com destaque para os casos recentes de abusos cometidos pela PM de São Paulo. Em resposta, o STF entendeu que a implementação de câmeras corporais seria uma medida necessária para assegurar a integridade das ações policiais e proteger tanto os cidadãos quanto os próprios policiais de acusações infundadas. Embora essa iniciativa possa, à primeira vista, parecer uma abordagem pragmática para combater abusos, ela levanta sérias questões sobre os limites da atuação do Judiciário no controle das ações de outras esferas do poder.

Em teoria, o uso de câmeras corporais poderia garantir mais transparência nas abordagens policiais e ajudar a coibir a violência excessiva durante as operações. Contudo, é importante lembrar que a segurança pública é competência dos estados, e não do Judiciário, o que levanta a questão: até que ponto o STF pode e deve intervir em decisões que envolvem a operacionalidade das polícias estaduais? A autonomia das forças de segurança estaduais está claramente garantida pela Constituição, e uma ordem como a de Barroso pode ser vista como uma forma de ultrapassar essa linha de atuação, interferindo diretamente na política de segurança pública de São Paulo.

Violência Policial: Uma Realidade Alarmante

Os episódios recentes de violência policial não podem ser ignorados. A Polícia Militar de São Paulo tem sido frequentemente apontada em denúncias de abuso de força, mortes em operações de rua, e casos de agressões a cidadãos desarmados. Em novembro de 2023, por exemplo, uma operação da PM na Zona Norte de São Paulo resultou na morte de pelo menos cinco pessoas, incluindo um adolescente. O caso gerou protestos e forte reação das organizações de direitos humanos, que acusaram a PM de agir com brutalidade e sem a devida justificativa.

Além disso, em diversas outras ocasiões, os vídeos que circulam nas redes sociais mostram policiais agredindo manifestantes, intimidando jornalistas ou até mesmo cometendo excessos contra pessoas em situação de vulnerabilidade social. Esses vídeos, no entanto, nem sempre são suficientes para gerar processos concretos, o que reforça a necessidade de maior controle e supervisão sobre as ações da polícia.

O Impacto do Afastamento de Policiais: Medidas Disciplinadoras ou “Exceções” ao Sistema?

Outro aspecto relevante nesse debate é o afastamento de policiais envolvidos em casos de violência. Em muitas situações, os policiais acusados de abusos de autoridade não sofrem punições severas, o que contribui para a cultura da impunidade. Mesmo com investigações e medidas temporárias de afastamento, muitas vezes, os responsáveis por violações graves da lei acabam sendo reintegrados após breves períodos, sem um processo de responsabilização efetivo.

Segundo dados da Ouvidoria da PM de São Paulo, o número de afastamentos por violência excessiva é relativamente baixo, e os processos de investigação interna muitas vezes demoram a ser concluídos. Além disso, em casos de abuso, os policiais normalmente são removidos para outras funções dentro da corporação, sem perder suas vantagens e salários, o que acaba por desestimular a mudança real no comportamento da tropa.

A decisão de Barroso de obrigar o uso de câmeras corporais pode ser uma tentativa de amenizar essa impunidade, pois as imagens podem servir como prova material contra os policiais que cometem abusos, aumentando a possibilidade de responsabilização. No entanto, ela também pode ser vista como um paliativo, sem resolver o problema estrutural de formação, cultura e gestão da Polícia Militar.

A Limitação da Autonomia Estadual

A medida tomada pelo STF também abre um precedente preocupante no que diz respeito à autonomia dos estados para definir suas próprias políticas de segurança pública. O artigo 144 da Constituição Federal prevê que a segurança pública é um dever de todos os entes federativos, mas também estabelece a autonomia dos estados para organizar suas forças policiais. O fato de o STF intervir diretamente em uma política pública estadual, determinando a implementação de uma medida específica, pode ser interpretado como uma centralização de poder, algo que enfraquece a capacidade dos estados de se auto-organizarem e cria um cenário de “judicialização” da política pública.

É preciso questionar se essa interferência não está, em última instância, minando o princípio da federação e o papel dos governadores e secretários de segurança pública na formulação de políticas adequadas às necessidades específicas de cada estado.

Conclusão: Transparência Sim, Mas Com Limites

Em um país onde a violência policial é uma questão grave e urgente, a medida tomada por Barroso de exigir o uso de câmeras corporais pela PM de São Paulo pode ser vista como uma tentativa de garantir maior controle e transparência nas operações de segurança pública. Porém, é preciso analisar os limites dessa intervenção judicial. A autonomia dos estados e das corporações policiais deve ser respeitada, e qualquer decisão que ameace essa autonomia pode ser considerada um retrocesso institucional.

É imprescindível que a questão da violência policial seja enfrentada com medidas que envolvam, simultaneamente, a melhoria na formação dos policiais, a responsabilização efetiva dos abusos e a construção de uma cultura de respeito aos direitos humanos dentro das corporações. A utilização de câmeras corporais, por si só, não será suficiente se não houver uma reforma mais ampla nas práticas e estruturas da polícia, e é esse o verdadeiro desafio que o Brasil precisa enfrentar.

Portanto, é essencial que as autoridades se perguntem: estamos, de fato, resolvendo a questão da violência policial, ou estamos apenas colocando um “remédio” temporário sobre uma ferida muito mais profunda?

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